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Os Estados Unidos quase detonaram uma bomba nuclear na Lua

Por History Channel Brasil em 17 de Julho de 2019 às 11:18 HS
Os Estados Unidos quase detonaram uma bomba nuclear na Lua-0

Detonar uma bomba nuclear na Lua? Parece o plano bizarro de um vilão louco de histórias em quadrinhos, não um projeto iniciado dentro do governo dos Estados Unidos. Mas em 1958, quando a corrida espacial estava esquentando devido à Guerra Fria, a Força Aérea dos EUA teve essa ideia. Chamada de Projeto A119, a operação contou com os talentos de alguns dos principais cientistas do país.

Como a ideia surgiu? A culpa é do Sputnik, o satélite lançado no espaço pela União Soviética em 4 de outubro de 1957 e que deixou as autoridades e cidadãos americanos em alerta máximo. Enquanto as duas superpotências da Guerra Fria disputavam o domínio mundial do pós-guerra (situação vista por muitos como uma luta entre a liberdade e a tirania), a perspectiva de os arqui-inimigos dos EUA demonstrarem uma vantagem militar parecia aterrorizante.

Assim, os Estados Unidos precisavam recuperar a dianteira e provar ao mundo que não haviam perdido a corrida espacial antes mesmo de ela começar. Os EUA precisavam sinalizar que os comunistas não tinham uma vantagem permanente - e que o sucesso do Sputnik não seria seguido em breve por mísseis nucleares soviéticos caindo sobre o solo do país.

Os Estados Unidos precisavam mostrar ao mundo que estavam na corrida para valer. E precisavam fazer algo grande - como detonar uma bomba atômica na Lua. Não importava que o projeto não tivesse nenhum objetivo prático, nenhuma meta plausível de segurança nacional e que seu único objetivo fosse mostrar ao mundo que os EUA poderiam fazer algo espetacular.

O que poderia dar errado? Para explodir uma bomba atômica na Lua, o governo precisava do aval dos principais cientistas que atuavam no país. Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, o Dr. Leonard Reiffel trabalhou ao lado da lenda da física Enrico Fermi, do Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago. Mas em 1949, ele teve a chance de gerenciar toda a pesquisa de ponta em outra instituição de Chicago, a Armor Research Foundation (agora conhecida como Instituto de Tecnologia de Illinois). Daquele ano até 1962, Reiffel e sua equipe levaram a física ao limite, trabalhando em projetos que estudavam os efeitos ambientais globais das explosões nucleares.

Participação de Carl Sagan

Em algum momento de 1958, a Força Aérea pediu à equipe da ARF que investigasse algo fora do comum: a visibilidade e os efeitos de uma hipotética explosão nuclear na Lua. Os Estados Unidos queriam surpreender os soviéticos e o mundo, o que seria equivalente a dizer algo como: "olhe o que somos capazes de fazer, podemos explodir a Lua".

Reiffel sabia que ele não tinha o conhecimento necessário para fazer esse tipo de estudo internamente. Para complementar seu grupo de pesquisadores na ARF, ele trouxe Gerard Kuiper, especialista em astrofísica cujo nome veio a definir o cinturão de Kuiper, uma região em forma de disco além de Netuno que contém um trilhão ou mais de cometas. Para completar o grupo, Kuiper sugeriu que Reiffel trouxesse um jovem estudante de pós-graduação da Universidade de Chicago: Carl Sagan.

Sim, aquele Carl Sagan - que ganhou fama décadas mais tarde apresentando o programa televisivo de ciência “Cosmos”. O trabalho de Sagan nesse projeto era fazer os cálculos. Muitos cálculos. Era importante que alguém como ele pudesse calcular com precisão a expansão da nuvem de poeira que seria causada por uma explosão nuclear na Lua. Era necessário saber como o satélite natural reagiria e se a explosão poderia ser vista da Terra. Afinal, o objetivo do projeto era promover um grande espetáculo.

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O que traz duas questões importantes: Primeiro: Por que cientistas de respeito concordariam com um projeto para detonar uma arma nuclear na Lua? E segundo: isso funcionaria? Como seria uma explosão nuclear lunar?

Para responder à primeira pergunta, precisamos nos colocar no lugar dos cientistas dos EUA do final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Essa era uma época em que a ciência de lá estava, para o bem ou para o mal, completamente ligada à política da Guerra Fria. Embora a era anticomunista de caça às bruxas de Joseph McCarthy tivesse terminado, os cientistas ainda se lembravam quando o desenvolvedor da bomba atômica, Robert Oppenheimer, foi publicamente perseguido por renunciar ao seu trabalho pioneiro e se opor à criação da bomba de hidrogênio (termonuclear), a sucessora mais poderosa e destrutiva da bomba atômica.

Avanços duvidosos

Mas não foi só o medo que inspirou físicos, químicos, biólogos, astrofísicos e outros a se juntarem a laboratórios de universidades, indústrias privadas ou instituições governamentais que trabalhavam em pesquisa aeroespacial e de defesa. Muitos desses cientistas eram patriotas. Alguns eram refugiados da Segunda Guerra Mundial que tinham testemunhado em primeira mão a tirania e escaparam por pouco. Eles também acreditavam no que estavam fazendo. A Guerra Fria era considerada uma luta de vida ou morte para o futuro do mundo livre. Esses homens e mulheres tinham um conjunto de habilidades que era essencial para a segurança nacional e mundial. Mas, bombardear a Lua para efeitos de propaganda estava além do que os cientistas estavam dispostos a aceitar em nome do patriotismo. 

Mesmo assim, alguns pesquisadores alegavam que o projeto poderia resultar em avanços para a ciência. Não se sabe se essas eram considerações sérias ou apenas um modo de justificar suas ações, mas muitos envolvidos no Projeto A119 defendiam o propósito científico da missão. Aqueles eram tempos emocionantes para a exploração de novas fronteiras da ciência. Carl Sagan, o homem que dedicaria sua vida à busca de evidências de vida em outros mundos, achou que essa poderia ser uma ótima maneira de tentar identificar a presença de micróbios ou moléculas orgânicas na Lua (na época ainda se pensava que poderia haver algo lá além de poeira).

Outros cientistas pretendiam fazer experimentos centrados na química lunar ou na condutividade térmica da superfície da Lua. A equipe de Reiffel também se perguntou se a explosão nuclear produziria atividade sísmica suficiente para avaliar a composição da estrutura subterrânea da Lua. 

Efeitos seriam frustrantes

O efeito visual não seria tão dramático quanto os cientistas esperavam inicialmente. As nuvens em forma de cogumelos de uma explosão nuclear são causadas pelo movimento de poeira e detritos levantados em uma atmosfera densa. A Lua, no entanto, é envolta essencialmente por um vácuo. O satélite tem alguns gases em sua superfície, mas não há uma atmosfera como a da Terra. Sem o peso de uma atmosfera densa, não haveria resistência à expansão de detritos nucleares. Então, não haveria som ou ondas de choque. Uma nuvem de cogumelo também não seria produzida: o resultado seria apenas muita poeira. Isso não significa que não haveria um "show" incrível. As pessoas na Terra veriam um flash resultante da detonação. Talvez o Sol brilhasse através da poeira, produzindo um visual impressionante.

O programa acabou sendo encerrado - mas o motivo final ainda não está claro. Tudo o que resta é especulação de múltiplas fontes. Alguns dizem que a Força Aérea cancelou o programa devido ao perigo em potencial para as pessoas na Terra. Outros dizem que os cientistas estavam preocupados com a contaminação da Lua com material radioativo, impedindo que qualquer missão futura tripulada pousasse em sua superfície (frustrando planos de uma colonização lunar). 

Pode ser também que a missão tenha sido abandonada por receio de o público perceber o projeto como uma agressão desnecessária à Lua, ao invés de uma demonstração de proezas científicas. Ou será que os Estados Unidos desistiram da ideia quando se deram conta de que levar um homem à Lua era uma missão possível - e ainda mais impressionante?


Texto: Vince Houghton/History.Com

Imagem: Shutterstock.com